Não podendo relatar detalhadamente, contarei um pouco do que vi na festa do Divino Espírito Santo em São Luiz do Paraitinga. A festa foi maravilhosa. Provavelmente contou com provas de fé muito maiores do que nos outros anos. As novenas foram realizadas na praça central, em um espaço provisório montado pela prefeitura, com um grande toldo, para eventos.
Todas as cadeiras do espaço, que não correspondiam ao número de assentos da igreja matriz, ficavam facilmente ocupadas. Ao redor do espaço, algumas pessoas sentadas nos bancos da praça próximos do local da novena, e dezenas de pessoas em pé com suas bandeiras em mãos sem demonstrar sacrifício algum por não terem aonde sentar durante cerca de uma hora de orações e reflexões.
Achei bem legal o fato de padres jovens terem participado das novenas. A presença de um padre recém-ordenado naquele espaço, naquele momento, deve ter representado um grande sinal de esperança a todos. Depois de tudo o que ocorreu, acho importante ter aquele símbolo jovem simbolizando a possibilidade de reconstruir o que por algum tempo se dera como perdido.
No primeiro dia, houve a tradicional ida ao Império após a novena. A decoração desse ano, sob responsabilidade do Paulinho do Correio, como é conhecido, envolveu o uso de garrafas PET nas luminárias do local. O ambiente era apertado, como de costume, mas estava lindo. A diferença, nesse ano, foi a presença de uma grande imagem da igreja matriz da cidade ali.
A distribuição do afogado - que nesse evento é feita com uma mistura de alimentos, como arroz, macarrão, carne e batata -, dessa vez, foi no mercado municipal. A enchente acabou fazendo a festa recorrer ao costume antigo de tornar o mercadão palco de parte da festividade.
Fotografando a preparação do local para o primeiro dia da distribuição do afogado conheci um italiano gente fina, chamado Lucca. Ele mora em São Paulo atualmente com a esposa, e foi à cidade fotografar o evento como voluntário de um projeto que será realizado na cidade, abordando também a reconstrução. Falei do assunto do meu TCC, e que era voluntário do Jornal da Reconstrução - foi engraçado ver ele abrindo a pochete e tirando de lá a última edição do jornal, perguntando se era naquele jornal que eu trabalhava. Ele pediu uma eventual ajuda na produção do material no qual ele também estava trabalhando.
No dia seguinte ocorreu o encontro das bandeiras. O encontro foi realizado em frente à Santa Casa e à câmara municipal, e poucos minutos depois estavam todos indo ao centro da cidade acompanhados pela banda municipal.
Na semana seguinte fui a cidade na sexta-feira cedo, como de costume, fazer as apurações para o jornal. Como havia um tempo vago, eu e um colega de trabalho visitamos as ruínas da igreja matriz. Fomos acompanhados por uma simpática estagiária da Unesp, que explicou como o serviço estava sendo realizado. Ela disse que a previsão da empresa responsável pelos cuidados no local é de que o espaço esteja limpo em agosto/setembro.
Não sei se é permitido ficar postando imagens do que já foi encontrado por lá (há várias prateleiras com achados - inteiros ou em partes), mas ao menos uma, num espaço próximo a uma das portas de entrada do local, eu vou colocar. Não dá para ver muita coisa, e há muuuito a se fazer por ali ainda. Grande parte dos destroços ainda não foram tocados.
Pouco depois do almoço e uma rápida conversa com professores vindos de fora com uma turma de jovens estudantes, fui à rua vê-los descendo com os bonecões João Paulino e Maria Angu caminhando e fazendo barulho até o mercado municipal.
A proposta daquela escola é fantástica. As crianças foram conhecer a cidade, mas não ficaram apenas ouvindo a história da cidade e de suas festas. Além de participarem animadamente da saída dos bonecões até o mercadão, ao som de um bumbo somado a várias vozes que anunciavam a passagem dos bonecões, as crianças tiveram a oportunidade de produzir o material comumente usado tempos atrás para a edificação das casas: a taipa. Eu me assustei ao ouvir isso, pois NUNCA vi uma escola propor esse tipo de atividade. É admirável ver uma escola dando tanto valor à cultura na hora de educar as crianças.
Já no final da tarde, fiz minhas costumeiras caminhadas por trechos não tão frequentados, e notei que já estava bem mais fácil passar pelo trecho que liga a rodoviária ao centro histórico. Há bem menos terra, e há um caminho nivelado pelo qual pessoas podem facilmente fazer a travessia.
Vi essa senhora passando pelo local, e a acompanhei silenciosamente por um tempo tirando algumas fotos. Depois de algumas fotos, acelerei o passo, e enquanto passava lentamente por ela, ela começou a falar. Eu senti tanta amargura em sua voz, tão fraca, que não sabia se ela começaria a chorar, mas percebi que por dentro ela estava machucada. Durante nossa caminhada no trecho de terra, ela foi explicando que perdeu tudo, e que não sabia bem o que fazer. Só de lembrar desse momento eu quase chorei aqui. Ela contou que agora havia dificuldade em andar pelo centro, pois estava morando no bairro Santa Terezinha (fica num trecho BEM alto e afastado, principalmente para uma senhorinha), e que era estranho andar pela cidade sentindo falta de tanta coisa.
Como de praxe, falei que também fui atingido pela enchente, e mesmo sabendo que o que ela sentiu e sente é, com certeza, muito além do que eu posso entender (é o que falei no texto Memórias, pois ela se habituou a ver certas coisas por décadas, então a perda foi muito mais que da parte material), acredito que explicar isso poderia deixá-la um pouco mais confortável. Talvez ela tenha pensado que pelo menos um pouco do que ela está passando esteja acontecendo comigo também, e que eu a entenderia.
No sábado, infelizmente, não pude ir à festa, e perdi a famosa cavalhada de Catuçaba, que todo ano se apresenta no evento encenando um conflito entre mouros (muçulmano/sarraceno) e cristãos na Idade Média.
No domingo cheguei no início da tarde e acompanhei apresentações de diversos grupos pela cidade. Havia congada, moçambique, e danças para todos os lados, além do tradicional pau-de-sebo chacoalhando para lá e para cá enquanto vários rapazes tentavam subi-lo para alcançar o dinheiro amarrado no seu topo.
Vi também o grupo Manjarra, que faz diversas encenações divertidas durante a festa do Divino. Sempre gostei de fotografá-los pela espontaneidade de suas ações, e pelo modo como o gosto pelo que fazem e as cores que eles portam deixam o cenário mais bonito. Por isso, deixarei aqui uma foto que tirei sentado durante uma encenação deles. As cores nela chamaram a atenção de muita gente, e por isso me senti um grande felizardo fazendo essa captura. Além da beleza, ela tem uma mensagem fundamental: São Luiz voltou a ser colorida.
terça-feira, 1 de junho de 2010
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