domingo, 25 de abril de 2010

Memórias

Queria entender o que acontece quando você está habituado a ver algo e, depois de tanto tempo, esse algo some. Acho que esse post é mais reflexivo do que os outros, e nada conclusivo.

Hoje fui para São Luiz cedinho fazer algumas entrevistas que faltavam para escrever uma matéria, e, como sempre saio atrasado de casa, só tomei café da manhã 3 horas depois de acordar (café saudável, por sinal: coca e coxinha).

Enquanto comia, uma senhora entrou na padaria, provavelmente olhou um cartaz com imagens da cidade, e falou "Saudades da minha igrejinha (se referindo à Igreja Matriz)... fui na missa do padre ontem (se não me engano foi a ordenação de um padre), e quando o sino badalou, até chorei".

Anotei a frase no celular para reproduzir aqui. Fiquei pensando no que passa pela cabeça daquela senhora e de tantos outros senhores que nasceram perto da Igreja Matriz, foram batizados nela, cresceram dando voltas na praça à sua frente, se casaram ali, e, tantas décadas depois, veem tapumes enormes, ruínas quase ordenadas após alguns meses de arrumação, e o sino, sobrevivente da tragédia, que já voltou a ser utilizado para convocar as pessoas para os atos religosos.

Em Taubaté, por exemplo, o prédio da CTI (Companhia Taubaté Industrial), ficou algum tempo sem tocar seu sino tradicional de décadas. Ele tocava no horário do almoço dos trabalhadores e em outros horários, como o de entrada e saída dos funcionários se não me engano.

Uma matéria na tevê mostrou senhores de idade que vivem perto do prédio, falando da falta que o sino fazia. Diziam ficar perdidos com a ausência do som que indicava o horário do almoço, dentre outras coisas.

Em São Luiz não é diferente. As pessoas sentiam falta de ouvir o sino badalando, e infelizmente sentirão falta de lugares históricos como a Igreja Matriz e a Capela das Mercês por um bom tempo, até que eles sejam reconstruídos (apesar de que, mesmo com a reconstrução dos locais, o sentimento de vê-los poderá ser diferente).

Conversando com uma amiga na internet nessa madrugada, falei de como tenho saudades de ver minha mãe e os meus gatos diariamente, algo a que me habituei há anos. A resposta dela foi interessante: "Não tenha saudades, você os tem."

Às vezes eu mesmo penso nisso, ainda mais pensando que os meus gatos não eram prioridade nos resgates da tragédia no começo do ano. Até parece que os bombeiros se dariam o trabalho de ficar pegando os gatos. E mesmo assim minha mãe deu um jeito de levar três deles a um lugar seguro, e os outros dois sobreviveram em casa mesmo, sendo que esses dois são a Mia, que tem quase 20 anos - é uma senhorinha -, e o Faraó, que é o mais lerdinho para pensar. Família ninja é outra coisa.

De qualquer maneira, a frase dita a mim, curta e direta, me ajudou mais a ver o lado bom da coisa. Se não, eu nem teria lembrado dela.

É claro que não é a mesma coisa o meu relacionamento com minha mãe e meus gatos, e as pessoas com os casarões e igrejas da cidade, nem pelo sentimento, pois o meu atualmente é de distância, e o delas é de perda.

Como vivi 18 anos em São Paulo, sendo 10 deles em um condomínio, meu maior apego patrimonial foi com o local em que vivi. Quando passo por lá, dá aquele sentimento de volta no tempo. Mas o condomínio ainda está lá.

Então por mais que eu já tenha tido minhas experiências, elas não se comparam ao que os luizenses, principalmente os de idade, sentem com essa perda. É algo que, naturalmente, nem eles conseguem explicar tão fielmente, por mais que se empenhem em demonstrar o tamanho da perda.

Me bateu essa curiosidade danada hoje... só queria entender o que acontece quando você está habituado a ver algo e, depois de tanto tempo, esse algo some...