segunda-feira, 29 de março de 2010

Resumo do diário de bordo

Várias semanas que não posto devido à correria da vida. Como minha intenção não é fazer necessariamente um diário, a correria não necessariamente fará o número de postagens crescer. Mas cabe colocar um resumo do que tem acontecido comigo.

O jornal da Reconstrução, de São Luiz, já foi lançado. A segunda edição saiu nesse final de semana, e a população finalmente tem a oportunidade de se informar mais sobre o que se passa na cidade. O jornal também está sendo disponibilizado na internet, no site do departamento em que estudo, de modo que todos tenham acesso a ele.

É só clicar aqui para ver a segunda edição (quando eu descobrir aonde foi parar a primeira, prometo postar aqui).

Com relação ao trabalho de conclusão de curso, estou preparando as pautas para entrevistar diversas fontes. De abril não passa, começo a escrever os primeiros capítulos do livro e a entrar em contato com fotógrafos pedindo permissão para usar suas imagens da cidade. Já consegui um número razoável de fontes, dentre moradores, pessoas públicas, gente responsável pela reconstrução de algo, etc.

Com relação à música, me apresentei duas vezes nas últimas semanas em um restaurante. Curioso mesmo foi tocar em uma missa, à convite do Jaime, há algumas semanas. Não é um sinal de mudança religiosa nem nada, mas possivelmente tocarei em outras missas / eventos religiosos. Na semana passada toquei uma música enquanto o Jaime fazia uma homenagem à uma professora da faculdade, que faleceu há alguns dias. Eu conheci a música no dia anterior, havia diversas notas estranhas que eu nunca havia feito, e errei bastante nos dois períodos de aula pelo nervosismo de não ter a segurança de conhecer tão bem a música. De qualquer modo, acho que o que importa é a homenagem.

Passadas longas semanas, darei um jeito de visitar minha mãe nesse ou no próximo final de semana... morro de saudades dela e dos meus gatos, que passavam o dia conversando comigo. Inclusive, sonhei com a Ciça, uma gata minha que morreu pouco antes de eu ir embora de São Paulo. Não sei se isso significa algo, mas minutos depois eu acordei com meus irmãos me ligando, para me avisarem que o meu avô faleceu hoje cedo.

Foi um dia estranho, mais reflexivo do que de costume, e apesar de querer priorizar a postagem sobre meu avô, fica mais coerente deixá-la depois desse meu resumo de vida.

Ê, seu Zé...

Meu avô, José Corrêa, mais conhecido pelas pessoas como 'Zé Corrêa', já fez um monte de coisas em Laranjal Paulista, onde meu pai e meus irmãos moram. Dentre elas, já foi prefeito e vereador.

Sempre foi uma pessoa rígida, daquelas que deixam o filho de castigo de frente para a televisão desligada quando tirava notas ruins. Não era de convivência fácil, ainda mais quando algo fugia do que estava acostumado a ver. Ele nunca foi chegado nos meus antigos brincos, nem nos meus piercings. Nem nos brincos e piercings do meu irmão Rafael (Fá), e muito menos na tatuagem dele.

Meu contato com ele se resumia a uma ou outra visita nas poucas vezes em que eu podia ir à Laranjal. Geralmente essas visitas coincidiam com o seu aniversário, natal, etc.

Ele sempre perguntava como estava a vida do neto que vivia longe. Dos netos que viviam perto ele sabia. Sempre disse acreditar que o neto jornalista pode e deve mudar as coisas, exercendo o seu papel social.

Independente de quem estava em sua residência durante as visitas, as conversas invariavelmente acabavam em política. Não importava se estava eu, que não entendo tanto de política, com ou sem meu pai e minha boadrasta, políticos da cidade, meu irmão mais novo Victor (Tito), que tende a ser o político dessa geração da família, e o Fá. A política laranjalense sempre acabava em pauta, e às vezes a política nacional, principalmente quando a televisão estava sintonizada em algum canal do tipo TV Senado.

Mais invariavelmente ainda, Seu Zé falava de sua atuação política no município. E não era para menos. Talvez por entender tanto de política, misturado à sua rigidez, ele foi asseguradamente o maior prefeito da cidade. Para se ter noção, ele conseguiu levar a Ajinomoto para a cidade há cerca de 30 anos. Atualmente a cidade tem aproximadamente apenas 27 mil habitantes, e suponho que décadas atrás ela fosse um pouco menor. Para se levar uma indústria do porte da Ajinomoto, não pode ser qualquer político.

Ele era casado com a dona Alice, a avó que chamava o refrigerante Kuat de 'Kuait'. Eles viviam juntos num grande sítio com cachoeira, porém após o falecimento da minha avó o sítio foi vendido. Seu Zé dependia dela, e não conseguiria viver sozinho no sítio, inclusive pelo fato de, após tantos anos casados, vir o sentimento de solidão.

Eu ainda era adolescente quando a vó Alice partiu, e me sentia estranho ao visitar o vô Corrêa em uma casa no centro da cidade, sem ver a vó, e vê-lo não tão sorridente, principalmente quando falava dela.

Ele era uma pessoa difícil de lidar, principalmente com o passar dos anos, levando a família a ficar um pouco afastada dele. Com o tempo, os problemas de saúde foram se agravando. Mesmo com tentativas de aproximação, principalmente para ajudá-lo, havia dificuldade em ficar muito próximo dele.

Nos últimos anos, começaram a vir internações pelos problemas de saúde. No ano passado o visitei com o meu pai e minha boadrasta durante uma internação na Santa Casa. Me senti mal por vê-lo na cama, fraco.

Pouco tempo depois ele voltara para casa um pouco melhor. Aliás, já percebi que nós Corrêas temos sangue ruim, do tipo 'vaso ruim não quebra' mesmo, ainda mais vendo a lucidez que o vô Corrêa teve até os 94 anos, e o vigor que o meu pai tem até hoje.

Quando eu e meus irmãos éramos crianças, reclamávamos demais da rigidez do meu avô, que, consequentemente, levou o meu pai a ser rígido também. Anos depois, os três jovens adultos, independente das situações passadas, reconhecemos que a criação rígida nos ensinou bastante. Certas vezes ela é necessária em variados graus, e não só com os outros, mas muitas vezes com nós mesmos.

De qualquer maneira, fico muito grato de saber que o Seu Zé viveu bem sua vida. Seus 94 anos representam cerca de 20 anos a mais do que a média da expectativa de vida de um brasileiro, e com certeza foi uma vida bem aproveitada, falando em nome de sua vida pessoal e política. Tenho a certeza de que a população de Laranjal Paulista sempre será grata pelo que meu avô fez pela cidade que amava.

Apesar de ter tentado levar o dia normalmente, foi um dia estranho. Minha distração era tamanha que, após o almoço, o prato escapou de minhas mãos durante a lavagem e quebrou. Felizmente o machucado foi insignificante.

No final de 2009 conversei com meu pai, que me sugeriu escrever uma biografia do Seu Zé. Infelizmente não houve tempo para entrevistá-lo, mas espero que haja algo significativo em sua memória, proporcionalmente ao homem que ele foi. Espero que eu mesmo possa fazer algo por ele, mas se por ventura isso não for possível, que alguém o faça.

Bem, não sei se homenagens ou agradecimentos póstumos chegam à pessoa de alguma maneira, então espero que ele saiba da importância que teve para sua família.

E se por acaso você der um jeito de ler isso, obrigado por tudo, vô Corrêa, em nome de sua família.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Simplicidade

Semanas corridas, pouco tempo para respirar, e muitas experiências boas. Desde que o trabalho no jornal de São Luiz do Paraitinga começou, meus finais de semana foram reduzidos. Meu descanso pode começar apenas no meio de sábado, ou até mesmo no domingo apenas.

Como todo estudante deve pensar, é empolgante começar a exercer a função para a qual você estuda. Não era como no primeiro ano, em que você chegava nas pessoas dizendo "Oi, eu sou estudante do primeiro ano de jornalismo da Unitau, e vou fazer matéria sobre blablabla whiskas sachê. Será que você pode responder algumas perguntas?".

A parte de ser estudante de jornalismo é mantida, mas a nova frase faz você se sentir um jornalista de verdade, principalmente por trabalhar no único jornal cujo objetivo é tratar apenas de assuntos relacionados ao município. Você começa a fazer contatos, as pessoas envolvidas com o poder público lembram de você, e por aí vai (apesar de que tive a felicidade de ouvir uma mulher da prefeitura dizer que se lembra de uma entrevista que fiz com ela no meio do ano passado, mesmo que fosse apenas um trabalho).

Mas tem as pessoas que não ligam direito para quem você é. Nas duas semanas de jornal trabalhei também com matérias relacionadas à zona rural e aos moradores da mesma. Na primeira semana de trabalho, cheguei às 7:30 da manhã de sábado em São Luiz para andar pela zona rural do município. O enfoque era a situação das residências e estradas atualmente (levando em conta que alguns lugares foram prejudicados por três enchentes, por exemplo, e que continuam sendo incomodados pela chuva).

Ainda no centro, encontrei o editor-chefe Luiz Egypto acidentalmente. Ele me levou até a zona rural do município, para que eu começasse a observar as estradas, e entrevistasse os moradores. Durante alguns minutos andei encontrando poucas casas, sempre fechadas. Minha intenção era encontrar alguém asseguradamente acordado nas residências, evitando incomodar as pessoas acordando-as acidentalmente.

Cerca de 20 minutos de caminhada depois, cheguei a um local com algumas seis casas. Numa delas havia um rapaz lavando o quintal, e uma senhorinha andando pra lá e pra cá na casa. Não vou entrar muito em detalhes com certas partes, pois pretendo postar a reportagem aqui no final de semana.

Pedi à senhora, chamada Maria de Lourdes, que me concedesse uma rápida entrevista. Ela estava limpando a residência e colocando móveis novos, e perguntou se eu seria rápido. Ouch. Falei que levaria apenas cinco minutos.

A conversa durou pelo menos meia hora. Na hora de ir embora, ela insistiu para que eu tomasse café ali.

Durante a entrevista fiz perguntas básicas, nada excepcional. Mas o trabalho tem um quê a mais, que faz falta a muitos luizenses. Eles sabem que nós estaremos no município o tempo todo. Não é apenas uma entrevista para uma mídia maior, que resultará em um minuto de reportagem, e fim.

De entrevista, passou à conversa. Eu perguntava, ela respondia, e conversávamos sobre cada ponto abordado. Ela passou a fazer questão de detalhar tudo. Me mostrou sua residência, e o seu quintal, que não possui cerca de madeira em um grande trecho, e sim, como cerca natural, o rio Paraíba. Sua residência fica ao lado do rio. Deve ser difícil viver ali agora.

Foi engraçado sentir como, no início, quando não tínhamos vínculo algum, ela perguntou se a entrevista demoraria, e depois, quando ela soube que eu passei pelo mesmo, se sentiu à vontade para falar.

Aliás, eu havia dito que não seria útil dizer aos entrevistados 'eu também perdi tudo o que tinha em casa, e sei o que você está sentindo'. Na verdade, ainda não acho útil parte da frase, seria ridículo dizer que sei o que cada um sente, mas percebi que dizer que fui afetado gera uma certa familiaridade entre eu e o entrevistado. Se der para evitar, eu o faço.

No entanto, notei que as pessoas veem uma grande necessidade de detalhar o ocorrido e se perdem justamente quando o repórter não sentiu o que aconteceu. Sempre me dizem "se você morasse aqui ia ver a situação da cidade e das casas". Minha resposta, obviamente, é que eu morava ali. O entrevistado se surpreende, pergunta em que bairro eu morava, vê que eu sei bem o que aconteceu no município, e passa a responder as perguntas de outra maneira.

Ou seja: é quase uma conversa de amigos. Não importa se eu sou repórter, estudante, astronauta ou um lunático que chega na cidade às 7:30 para entrevistar as pessoas.

Ao me despedir, Maria insistiu para que eu tomasse café com ela, seu marido, e os rapazes que estavam ali ajudando-a. Disse que não podia ficar, e ela fez questão de ligar para uma vizinha com uma história curiosa, pedindo que ela me concedesse uma entrevista. Cinco minutos depois eu estava sendo acolhido em outra residência, dessa vez uma chácara.

O casal, dono da chácara, não foi diretamente afetado pela enchente. A água subiu por toda a trilha de acesso à residência, mas não chegou ao quintal. Infelizmente, as residências dos filhos foram atingidas. Nem por isso eles deixaram de ser solidários com os outros. No total, eles abrigaram 56 pessoas na chácara, tendo algumas pessoas ficado no local por mais de duas semanas.

Também me ofecereram café, mas não aceitei, até porque tinha recebido uma ligação e precisei me apressar um pouco. Comecei a caminhar de volta para o centro. Levaria, no mínimo, meia hora a pé.

Não bastasse os exemplos de simplicidade dados por essas famílias, caminhei durante cinco minutos, até que um veículo passasse por mim e logo depois parasse. Continuei seguindo em frente, passando pelo carro devagar e olhando para dentro. O casal de senhores disse "Entra".

Desci no centro, passei mais algum tempo na cidade, e fui embora.

No segundo final de semana uma de minhas pautas foi relacionada ao Mercado Municipal. Falar das figuras de lá, como personagens, comidas, costumes. Falar do símbolo que o mercadão representa.

Fui na sexta-feira para a cidade, realizei entrevistas para outras matérias, e à noite toquei em um restaurante. Fui dormir às 3:30 da manhã, e acordei às 7:30 para ir ao mercadão. Me sentei junto a outras pessoas para tomar o café da manhã tradicional ali: café com pastel de farinha.

Alguns minutos depois comecei a encontrar as minha fontes. Uma delas, por sinal, estava acompanhada de sua filha, que me explicara na semana anterior onde seria um bom lugar para encontrar minhas fontes para a matéria da zona rural.

Comecei a encontrar várias pessoas. Fofoqueiras, jogadores de palito, baralho, e até de jogos de adivinhação. Passei cerca de meia hora dando risada enquanto assistia o jogo de adivinhação de cerca de cinco senhores, que zombavam um do outro, sempre dizendo "hoje você não vai ganhar nada, vai voltar só com xixi no bolso". Todos conversavam com o maior prazer.

O jogador de adivinhação, que após pergunta nomeou e descreveu o jogo como "Jogo de veio, porque não temos o que fazer", é que não queria dar entrevista a princípio, mas acabou aceitando responder as perguntas.

Você vê vários tipos de pessoas na cidade. Há tanta gente simples, que independente das dificuldades que tem na vida conversam com um sorriso no rosto, que não tem como você não aprender lições de vida com eles. Não são políticos, não têm pressa, e se sentem bem com uma boa conversa.

PS: enviei a postagem e esqueci de parabenizar as mulheres pelo dia 8. Faltavam 11 minutos para ser tarde demais. Então, parabéns pelo dia, que foi estabelecido após décadas e décadas de lutas por melhores condições de trabalho. Alguns fatos, como o incêndio em uma fábrica de tecidos em Nova Iorque, em março de 1911, que matou quase 150 mulheres, ressaltaram a necessidade de haver melhor estruturação nos locais de trabalho e valorização das trabalhadoras.